quinta-feira, 17 de maio de 2012

Tribo Bororo


O ritual funerário dos Bororo (MT) é um momento especial de socialização dos jovens.
Não só porque muitos deles são formalmente iniciados, mas, também,
porque é por meio de sua participação nos cantos, danças, caçadas e pescarias coletivas
que eles têm a oportunidade de aprender e perceber a riqueza de sua cultura.
© Kim-Ir-Sam, 1973.





Os Bororo perderam grande parte de seu território tradicional. Calcula-se que ocupavam cerca de 350.000 km2, hoje reduzidos a cerca de 132.500 ha, distribuídos em cinco áreas não contíguas, nem todas juridicamente demarcadas. Em termos demográficos, a redução foi igualmente drástica. No início deste século, calcula-se o total de sua população entre cinco e dez mil indivíduos. Hoje são aproximadamente 800. Eles mesmos se chamam de boe, termo que significa gente, pessoa humana. Nesses quase 300 anos de contato os Bororo puderam demonstrar que, apesar das enormes perdas sofridas, eles resistem e procuram se afirmar como um povo diferenciado, mantendo viva a sua cultura e sua complexa organização social.

Pode parecer paradoxal, mas é exatamente por meio do funeral que a sociedade Bororo reafirma a vitalidade de sua cultura. Este é um momento especial na socialização dos jovens, não só porque é nessa época que muitos deles são formalmente iniciados, mas também porque é por meio de sua participação nos cantos, danças, caçadas e pescarias coletivas, realizados nessa ocasião, que eles têm a oportunidade de aprender e perceber a riqueza de sua cultura. Mas porque fazer de um momento de perda, como a morte de uma pessoa, um momento de reafirmação cultural e, até mesmo de recriação da vida?
Para os Bororo, a morte é o resultado da ação do bope, uma entidade sobrenatural envolvida em todos os processos de criação e transformação, como o nascimento, a puberdade, a morte. Quando uma pessoa morre, sua alma, que os Bororo denominam aroe, passa a habitar o corpo de certos animais, como a onça pintada, a onça parda, a jaguatirica. O corpo do morto é envolto em esteiras e enterrado em cova rasa, aberta no pátio central da aldeia circular. Diariamente, esta cova é regada, para acelerar a decomposição do corpo, cujos ossos deverão, ao final deste processo, ser ornamentados. Entre a morte de um indivíduo e a ornamentação de seus ossos, que serão depois definitivamente enterrados, passam-se de dois a três meses. Um tempo longo, em que os grandes rituais são realizados. Um homem será escolhido para representar o morto. Todo ornamentado, seu corpo é inteiramente recoberto de penugens e pinturas, tendo em sua cabeça um enorme cocar de penas e a face coberta por uma viseira de penas amarelas. No pátio da aldeia já não é um homem que dança e sim o aroemaiwu, literalmente, a alma nova que, com suas evoluções, se apresenta ao mundo dos vivos.
Dentre as várias tarefas que cabem ao representante do morto, a mais importante será a de caçar um grande felino, cujo couro será entregue aos parentes do morto, num ritual que envolve todos os membros da aldeia. A caçada desse animal assegura a vingança do morto, por meio daquele que o representa, sobre o bope, entidade causadora da morte. Esse momento marca o fim do luto e indica a vitória da vida sobre a morte. Esses rituais criam e recriam a sociedade Bororo, revelando os mistérios de uma sociedade que faz da morte um momento de reafirmação da vida.




Sylvia Cayubi Novaes (USP)
Texto publicado no catálogo : O Índio Imaginado
Mostra de Filmes e Vídeos sobre Povos Indígenas no Brasil,
CEDI / SMC-SP, 1992, 63 pags.



Fonte: http://www.arara.fr/BBTRIBOBORORO.html

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